segunda-feira, 9 de junho de 2008

Do C.S.I. à Realidade


Todos os dias ouvimos casos de crimes, homicídios, acidentes, raptos. Pensamos “Podíamos ter uma polícia como o C.S.I.!” E temos! Só que há uma mistura entre ficção e realidade. A rapidez com que a polícia e o médico legista chega à cena do crime, a limpeza, o aparecimento das provas certas na hora exacta são alguns dos aspectos que J. Pinto da Costa, professor e médico legista, considerada irreais e exagerados. Mas há uma virtude nestas séries: foi desmitificado a definição da Medicina Legal como a “medicina dos mortos”.


As séries Crime Scene Investigation (CSI) vieram despertar uma enorme curiosidade pela Medicina Legal e por tudo o que a envolve. A existência da ciência forense, capaz de saber se algo é sangue ou não através de um liquido faz-nos acreditar na justiça. Querendo nós que haja hipótese de termos no nosso país especialistas e equipamentos para fazerem todo o tipo de testes.
O fenómeno CSI para além de despertar grande curiosidade, veio desmitificar o conceito de Medicina Legal como a “medicina dos mortos”, em que as pessoas acreditavam que em Medicina Legal só se fazem autópsias. Esta ideia, segundo J. Pinto da Costa, está completamente errada. A Medicina Legal «é a aplicação de conhecimentos médico-psicobiológicos ao Direito de modo geral, nas mais diversas expressões, quer seja no Direito Criminal, Penal, Desportivo, do Trabalho. Qualquer forma que o Direito venha a ter. Só? Não. A Medicina Legal tem uma barreira muito para lá do que acabei de dizer. Porque às vezes ainda não há Direito mas já há Direito. Não será apenas a aplicação ao Direito mas a algo que pode, em certas circunstâncias, substituir o Direito: os costumes, as tradições, ética, moral, há todo um sentido de percurso de entendimentos das pessoas. O Direito surge muito mais tarde, após a consolidação de uma vontade maioritária. Por isso, quando se diz que a Medicina Legal é a aplicação de conhecimentos médico pscio-biológicos às questões do Direito, eu digo: e fora disso!», disse.
Entre o que se passa a este nível – Medicina Legal e Ciência Forense - no estrangeiro, nomeadamente nos Estados Unidos da América, na Inglaterra ou na Alemanha e o que se passa em Portugal «não há semelhança nenhuma, estamos muito aquem daquilo que se faz na realidade e que é mostrado nestes filmes e séries (CSI e outros) em que se mistura realidade e fantasia. No conjunto, estas séries são extremamente positivas porque chamam atenção para determinadas problemáticas e capacidades de resolver problemas exagerando-as», afirma J. Pinto da Costa.
Para o especialista, estamos perante filmes e não perante a realidade. «Há pormenores que chamam logo à atenção como a limpeza: qualquer pessoa que tabalhe com a sujidade fica sujo e necessariamente tem de se lavar muitas vezes, e, aqui está sempre tudo impecável». Assim como a «rapidez com que os indícios e elementos necessários aparecem, sempre no momento exacto, também é fictícia. Não há grande tempo para diligências. Tudo calha bem por uma rotina exagerada que é capaz de não ser tão perfeita como tentam passar a mensagem. Basta dizer que os EUA são muito grandes e têm metodologias óptimas e metodologias péssimas».
Em relação às bases de dados que são utilizadas na série, Portugal ainda não tem umabase de dados do ADN. J. Pinto da Costa refere que é algo que se discute muito, mas ainda é um tema controverso, porque «é diferente introduzir o ADN na base de dados de uma pessoa que é acusada e depois ser considerado inocente, de introduzir o ADN de alguém que foi juridicamente considerado culpado». Também é discutível o acesso a esses dados. «Na minha opinião deve ser apenas sobre reserva da Polícia Judiciária (PJ), para que pudessem munir-se de mais essa informação para a resolução de um caso. Seria uma ferramenta muito específica e só da PJ. Aqui em Portugal não existem estas bases de dados, porque é necessária muita prudência!», conclui.
A série assume-se como «um mecanismo de defesa em termos de vitimologia». No caso deste episódio (23 da 4ª Temporada) a vítima parou o carro depois de outro condutor embate no seu, «aquela mulher tomou aquela atitude - o parou e acabou por ser violada - outra não fará o mesmo. Hoje em termos de vitimologia há técnicas próprias. Nós podemos ter comportamentos estereotipados de vítimas: a maneira de andar, a postura, o olhar para o lado, a insegurança são formas do criminoso escolher a sua vítima. Está provado que uma mulher que não mostre medo e ande sem olhar para o lado não é considerada uma “vítima” mas o olhar para um futuro abusador é uma espécie de “convite” para ser assaltada, violada ou atacada», alertou o professor.

Sob o olhar do Prof. Pinto da Costa…
(CSI, episódio 23, 4ª Temporada)

Prof. Pinto da Costa «O episódio vê-se com muito interesse porque em termos de imagem e som são perfeitos. A música é esclarecedora, prende-nos em momentos exactos, e a cor também. O inopinado do acontecimento, o que não é esperado e acontece. A própria apresentação inicial é importante e já nos lança na expectativa.
O que é mais criticável, e que chama a atenção de toda a gente, é a possibilidade de um ser humano poder ter dois tipos de ADN. A explicação é fictícia: porque na realidade, uma mulher estar grávida ter dois embriões e um deles morrer e passar o ADN para o que sobrevive, acumulando os dois tipos de ADN, não me parece que seja real, pelo menos eu não conhece nenhum caso credível na literatura mundial deste género. Contudo tem a vantagem de nos chocar: “Como é possível uma pessoa ter dois ADN?”. Não por este mecanismo, que eu não nego, porque em medicina está sempre tudo a mudar constantemente. Mas é possível isto acontecer em casos de transplante de órgãos ter ADN que não é o nosso as sim do órgão que recebemos do transplante. Também através de transfusões de sangue podemos receber por acumulação outro ADN. A série tem a vantagem de obrigar a pensar: “mas isso é possível?”. Não é possível nestes casos mas é preciso ter prudência em considerar o ADN um dogma, em que diz que nós somos nós próprios. As mutações que, acontecem esporadicamente, apresentam-se através da imagem da Quimera (cabeça de leão, torso de cabra e parte posterior de dragão ou serpente). A situação de Quimera é a impossibilidade de acontecer, que pode acontecer por causa de mutações ou radiações e muitas outras situações patológicas. Todos temos ADN mas podem haver alterações.
Na parte inicial, o grito da mulher “Ajudem-me” é fantástico, porque nos prende logo ao ecrã, quer pela intensidade quer pela música, mas também mostra um defeito: a polícia chega assim tão depressa em situações deste género? Por lei, e da teoria à prática vai um fosso muito grande, há um medico legista de serviço durante 24horas. Mas não conheço nenhum caso de um médico legista que tenha sido processado por não comparecer de imediato no local do crime. Na teoria, sempre que uma mulher é violada deve ser levada a uma unidade hospitalar para ser examinada de imediato. Quando há uma situação de se encontrar um morto numa situação criminal o médico legista deve acompanhar a polícia e ir ao local do crime para verificar o óbito.
O médico Tom Combs foi ilibado, e bem, porque uma coisa é a verdade jurídica outra é a verdade real. Em face dos exames que lhe fizeram na ocasião ele não poderia ter sido. Mas depois fizeram-lhe outros exames que comprovaram que era ele. Aqui inverte-se uma noção curiosa, porque em regra considera-se que a prova testemunhal não tem grande valor face às provas tecnológicas, mas neste episódio acontece o contrário. Outro aspecto curioso é o facto dele ser médico, mostrando que os médicos também podem ser criminosos.
Os sapatos apresentam-se como um aspecto muito interessante pois têm um altíssimo valor de identificar uma pessoa, quer seja criminosa ou não. Não só pela impressão que deixa a sola como o tamanho, porque há uma proporcionalidade do sapato e o tamanho do antebraço, o que nos permite estimar se o indivíduo era alto, baixo, gordo ou magro.
O caso da violação serve para sublinhar que a Medicina Legal não é a “medicina dos mortos”. Apesar de ser aquilo que é, em aspectos criminais, mais evocado porque trata-se sempre nos casos em que há mortos, sabendo que um homicídio significa que houve um morto. Neste caso a violação é no vivo, mas muitas vezes a violação acompanha um homicídio, e vice-versa, porque há pessoas que só têm prazer sexual matando a vítima, ou o contrário: primeiro matam e depois é que têm relações sexuais.
No episódio exalta-se a violação como paradigma de crime sexual, que em Portugal existem muitas subdivisões, o que para mim não era necessário. Bastava falar em crime sexual, individualizar e caracterizar, e, depois o Juíz aplicaria a pena consoante as provas. Este aspecto (violação) é interessante e serve para chamar a atenção que, na realidade, a Medicina Legal não é só a intervenção nos locais criminais – a recolha de provas - mas também nos vivos.
É curioso quando o médico legista apresenta o diagnóstico de “Asfixia por estrangulamento”. Aqui, e bem, não basta dizer asfixia. É necessário indicar qual foi o mecanismo de asfixia. Está presente a explicitude do diagnóstico.»
(reportagem feita em Maio 2007)

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